quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Não dou a mínima para o amor ao próximo


Sentado no ônibus, exausto, após um dia de cansativo trabalho, estava eu absorto escrevendo um texto aqui do APENAS (confesso, o único momento livre que tenho para escrevê-los são minhas viagens de ônibus) e mal reparei nas pessoas que começaram a se aglutinar em pé no ônibus, que enchia mais e mais a cada nova parada. Com minha visão periférica até percebia que troncos, quadris e pernas passaram a ocupar o espaço ao meu redor, mas confesso que não dei muita atenção a eles – afinal é sempre assim, faz parte da rotina de quem anda diriamente de ônibus. Foi quando senti que, em determinado momento, uma mulher parou, em pé, ao lado do assento onde eu estava, chegando a roçar diversas vezes em meu ombro devido ao balanço do veiculo – o que, naturalmente, me imcomodou. Mas, absorto que estava em meus escritos, não reparei muito nela, afinal era apenas mais uma entre tantas herdeiras do feminismo (o movimento que entre outros prejuízos que trouxe às mulheres transformou o cavalheirismo numa peça de museu). E assim prosseguiram meus 60 minutos de viagem: comigo ali, sentado num certo nível de conforto, e dezenas de pessoas em pé, apenas suportando a dureza da viagem. A tal mulher também. Até que chegou a hora de eu saltar. E foi então que…

Só quando fiquei de pé e acionei o sinal de “parada solicitada” foi que de fato olhei para aquela mulher. E, para minha eterna vergonha, percebi que ela estava grávida. Sim, meus amigos, para meu constrangimento e meu vexame absolutos, reparei que havia passado uma hora sentado numa cadeira onde há um aviso que diz “assento reservado para gestantes, mulheres portando bebês, idosos ou deficientes físicos“… ao lado de uma gestante, de barriga proeminente, que viajou o tempo inteiro em pé. Não tive nem tempo de me desculpar quando me levantei e vi a mulher sentar-se onde eu estava, com uma cara de, enfim, alívio e descanso. Pois meu ponto chegou e eu tive de descer às pressas.

Os adjetivos que pensei a meu respeito foram de “canalha” e “pulha” a “imbecil” e “cabeça de vento”. Qualquer orgulho que eu tivesse de meu “generoso espírito cristão” ficou pelo chão. Caminhei pela rua sentindo-me o pior dos seres humanos. Mas, em determinado momento, uma luz se acendeu: a culpa não tinha sido da minha falta de cavalheirismo, de educação ou de bons modos. A culpa tinha sido minha sim, mas pelo fato de eu não ter dado a mínima atenção aos seres humanos que me cercavam. O que é algo muito pior do que falta de cavalheirismo.

Sim. Naquele momento percebi o quanto ignoramos as pessoas ao nosso redor. Não as notamos. Não lhes damos atenção – exceto quando é aquela mulher de corpo escultural que faz qualquer cristão clamar o sangue de Jesus ou quando nos incomodam, como a jovem que neste exato instante insiste em apoiar os joelhos nas costas da cadeira do ônibus onde estou. Ah, essas pessoas a gente percebe rápido, pois, afinal, estão afetando ou incomodando o indivíduo mais importante do universo em nossa opinião: EU. Sim, sou egoísta de dar dó. Egocêntrico. Seja feita a minha vontade, assim na terra como no céu. Eu, eu, eu. E os demais se tornam coadjuvantes dessa grande ópera cujo único solista é este ser que habita meu corpo.

O episódio me fez refletir sobre o quão pouco olhamos para os outros. Aqueles que a Biblia chama de “meu próximo”. Mas que, na prática, eu trato como “meu mais distante possível”. Confessemos, sejamos honestos, sem santarronices ou hipocrisias: quanto nós realmente estamos preocupados DE FATO com a vida deles? Com suas dores? Suas angústias? Seu conforto? Sua paz? Na maioria das vezes, nem notamos o vazio que inunda seus corações, simplesmente porque nem ao menos paramos para olhar bem dentro de seus olhos – pois a Biblia nos ensina que “os olhos são a candeia do corpo. Se os seus olhos forem bons, todo o seu corpo será cheio de luz” (Mt 6.22). E quantos estão por aí com os olhos opacos, cansados e sobrecarregados ao nosso redor, o que denuncia uma total ausência de luz em suas almas, mas nós não notamos! Não percebemos! Estamos tão preocupados com nossos próprios problemas (que, lógico, são os maiores que a humanidade já enfrentou!) que não damos a mínima para aquilo que importa para o coração alheio.

Nem ao menos sabemos ouvir. Se começamos um diálogo com alguém, repare que em 99% das vezes estamos apenas esperamos nossa vez de falar. O que o outro diz? Ah, isso é secundário, desde que as MINHAS necessidades sejam supridas e eu consiga falar dos MEUS problemas.

Somos cristãos que adoram um culto, amam um louvor emocionante, vibram com uma boa pregação, mas fugimos com toda a pressa e todas as nossas energias de nos envolvermos com o próximo – pois ouvir, ajudar e se preocupar com o outro dá muito trabalho. E ter trabalho dá trabalho. E qual de nós, habitantes da sociedade do menor esforço, quer ter trabalho?

Meu irmão, minha irmã, cuidar de almas dá trabalho. Exige tempo. Paciência. Dedicação. Exige telefonemas. Visitas. Orar junto. Se envolver na vida alheia. E isso, vamos combinar, não é o nosso forte. Mais fácil e menos trabalhoso é receitar um rivotril e continuar nos preocupando com nossos próprios problemas (às vezes tão sérios como “devo usar hoje a gravata vermelha ou a rosa?).

Que vergonha de nós, vermes egoístas. Se Deus pudesse errar, o que não pode, eu diria que Ele teria errado no segundo maior mandamento. Que não deveria ser “amar o próximo como a mim mesmo”, mas sim “amar a mim mesmo como ao próximo”, pois, quem sabe assim, valorizaríamos mais o amor que devemos dedicar ao outro. Mas, sejamos duros e francos, a esmagadora maioria de nós, cristãos, não está nem aí para quem senta ao nosso lado no banco da igreja. Quanto mais quem está em pé ao nosso lado no ônibus.

Vivemos como formigas que se encontram, trocam duas ou três antenadas e prosseguem em seus caminhos. Deveríamos olhar mais ao nosso redor. Perceber as pessoas. Ver a beleza que há nelas – e também a feiúra. Deveríamos ouvi-las mais. Falta-nos percepção do outro. Atenção ao outro. Visão do outro. E por uma simples razão: não enxergamos o outro.

“Fala, meu irmão, que o teu servo ouve”: isso deveria ser cristianismo.

Devo muito àquela grávida anônima, que me mostrou o quanto tenho ignorado aqueles que Deus diz que devo preferir em honra. Por meio daquela minha absurda falta de respeito e amor ao próximo, Deus me conduziu a esta reflexão. E a partir de hoje quero me esforçar mais para conhecer quem cruzar o meu caminho. Perguntar seus nomes, me interessar por seu estado de espírito: o garçom gay do restaurante. O caixa mal-humorado do estacionamento do shopping. O rude trocador do ônibus. A lacônica faxineira do prédio onde trabalho. O exausto frentista do posto de gasolina. E, sim, o cidadão em pé ao meu lado no ônibus. Jesus também não morreu por cada um deles? E por que petulância eu tenho o direito de achar que meu papel no mundo, minha história de vida e meus problemas são maiores e mais importantes que os deles?

Os que a Bíblia chama de “meu próximo” são só minha família, meus amigos e aqueles que nos proporcionam benefícios? Ou são aqueles que tiveram fome e não lhes demos de comer; tiveram sede e não lhes demos de beber; foram estrangeiros e não os acolhemos, necessitaram de roupas e não os vestimos, estiveram enfermos e não cuidamos deles, estiveram presos e não os visitamos? Jesus deixa claro quem é nosso próximo na parábola do bom samaritano (Lucas 10.29-37).

O próximo é, antes de qualquer um, aquele cujo nome nós não conhecemos.

Paz a todos vocês que estão em Cristo.

Titulo Original: Não dou a mínima para o meu próximo
Escrito por: Mauricio Zágari
Fonte: Gospel Prime

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