quarta-feira, 21 de maio de 2014

SOBRE EVANGELISMO NO SERTÃO.


Estive na cidade de Caridade do Piauí, neste outono de 2014, acompanhando uma equipe de missionários que usam as artes cênicas com muita criatividade. O objetivo deles não é fundar novas igrejas, mas de apoiar e fortalecer as que já estão estabelecidas na região. Em sua primeira visita, a equipe procurou a Assembleia de Deus, e o pastor os recebeu bem. Este pastor deixara um bom emprego na capital, onde ganhava mais de R$ 10.000,00 ao mês, para viver com uma oferta de R$ 200,00. Como seus filhos queriam comer pão, teve a ideia de montar uma padaria e, vendendo pão de porta em porta, conquistava a amizade dos moradores, e mais membros para a sua igrejinha. Com este trabalho ele conseguia ganhar mais R$ 600,00. Junto com os missionários, o pastor organizou um grande evangelismo na cidade. Em seguida, foi excluído da igreja, pois apareceu usando bermuda e boné, em uma foto tirada durante o trabalho com os missionários.
A igreja contratou um novo pastor, que recebeu os missionários com bastante frieza numa segunda visita. A equipe ficou sem saber como proceder, e parou para um descanso na praça da matriz. Um grupo de jovens católicos carismáticos estava preparando uma atividade para expressar o amor de Deus às pessoas que estavam bebendo e ouvindo forró nos bares e trailers da redondeza. Como estavam sem saber o que fazer, os missionários cooperaram na campanha dos jovens católicos. A estratégia era levar uma mensagem colada ao peito, com dizeres do tipo “posso rezar por você?”, “abraço grátis”, “Jesus te ama”, etc. A campanha foi um sucesso e as duas equipes terminaram cantando louvores e agradecendo a Deus pelo seu amor. 
No mês seguinte eu estava com eles, e os carismáticos aguardavam, ansiosos, a visita destes missionários. Apresentamos vários esquetes de teatro, trazendo ensinamentos cristãos em seu conteúdo. A praça estava lotada com adultos e crianças, que participaram das orações, louvores, e riam bastante com as trapalhadas dos palhaços e artistas cômicos. 
Novamente os pentecostais foram procurados, e o pastor nos convidou para participar de uma vigília. Logo ao chegarmos, ele me fez a pergunta “Por que o Espírito Santo não está mais se manifestando na igreja como no passado?”. Respondi que não concordava, pois vejo o Espírito Santo atuando em várias localidades, inclusive na cidade dele, e me ofereci para conversar mais sobre o tema. Ele não tinha disposição para ouvir, e a pergunta era apenas um gancho para falar mal dos católicos. Como pode Deus agir no meio daqueles que adoram Maria e o sagrado coração de Jesus? 
Não demorou muito e ele passou a criticar também a equipe de missionários visitantes, pois alguns usavam bermuda e oraram de pé. “A nossa doutrina manda orar de joelhos, e que homem deve vestir roupas de homem, e mulher de mulher”, dizia ele. Os jovens se desculparam, pois, por causa do intenso calor, não levaram calça comprida na bagagem, e também não esperavam que isso fosse ofender tanto ao pastor. Os ataques continuaram, e os visitantes tentavam mostrar que a Bíblia não trazia aquele tipo de ensinamentos. O pastor citava alguns versículos fora do contexto original, e alegava que algumas passagens, que não apoiavam seu extremismo, eram apenas para aquela época. Ficou furioso quando um dos jovens disse que a gravata e as calças que ele usava foram desenhadas por um estilista homossexual. 
Por outro lado, muitos missionários mostram, além dos problemas crônicos da seca, falta de políticas governamentais na educação, saúde, e que tragam sustentabilidade, que a “pobreza espiritual” das cidades nordestinas é causada pela pequena quantidade de evangélicos “fiéis a Deus”, e a grande quantidade de católicos “idólatras”. Pedem oração para que Deus abençoe e fortaleza as igrejas evangélicas no sertão, como se isso fosse parte da solução dos problemas nordestinos. 
E eu pergunto: Deus quer cooperar com o que estes evangélicos sectários estão fazendo no sertão? Eles são melhores que os católicos que lá atuam? O que é pior: ter uma imagem de Maria na parede ou imputar um jugo desnecessário sobre um povo que já sofre mais que o bastante? A igreja evangélica não tem idolatria? Acredito que os cristãos precisam acordar e prestar atenção ao que Deus está falando e fazendo em nossos dias. O sectarismo só trouxe malefícios à igreja. A falta de unidade nos impede de usufruir dos dons e capacidades que Deus deu àqueles com os quais não nos identificamos por questões doutrinárias. E muitas pessoas se perdem enquanto brigamos. É hora de olharmos por cima dos muros das instituições e percebermos que existe um rio caudaloso de Deus fluindo também no meio de pessoas que fazem coisas que não concordamos, mas que Deus não está dando a mínima pra isso. Como disse o sábio Salomão, “Mas, de fato, habitaria Deus na Terra? Se os céus e até o céu dos céus não te podem conter, quanto menos esta casa que eu edifiquei”
 ( Texto de Ezequiel Netto)

sábado, 17 de maio de 2014

O Evangelho Fora da Caixa


Quando eu era pequeno me recordo de, em uma escola dominical, assistir a um filme que falava a respeito do arrebatamento da igreja, o reinado do anticristo e o período de tribulação após e durante tais acontecimentos. Lembro-me bem de uma das cenas que mais me marcaram, quando uma menina que acabara de chegar de um culto de jovens onde foi tratado do tema em questão, ao sair do banho e não ouvir nenhum barulho pela casa, ficar transtornada pensando que todos os seus familiares haviam sido arrebatados e ela havia sido deixada pra trás. Recordo-me que não consegui dormir direito por semanas, pois sempre acordava assustado e levantava pra verificar se meus pais estavam em sua cama.

À medida que fui crescendo, fui percebendo que um dos maiores artifícios que o ser humano possui nas mãos para conseguir o que deseja é o medo. É assim quando um corretor faz você investir em determinadas ações que podem render absurdos. É assim quando você está prestes a ser promovido e pedem pra você fazer algo ilícito ou contar uma mentirinha profissional. Pra que ficar exposto quando sei que posso acabar me dando mal?


O medo paralisa nossas pernas e ainda faz com que acreditemos que nos esconder é a melhor alternativa.


O que mais me chocou quando fui acordado para tal peripécia humana foi à constatação de que a igreja é feita de pessoas, sendo assim, em qualquer lugar que esteja, é passível das mesmas mazelas pela qual o mundo está sujeito. E isto é uma revelação considerável na terra onde as coisas da “igreja (instituição)” são intocáveis, indiscutíveis e irrepreensíveis e pecador é quem não cumpre a risca o que “ela” determina. Pelo contrário, quem cumpre é santo, salvo e até bom exemplo.

Surge, então, o “evangelho da caixa” que, ao contrário do de Cristo, fecha o seu cerco, sua “panela” e nesta acrescenta novos dialetos, novos costumes, novos trajes e frases de efeito que só conseguem decifrar os que são “de dentro”. Veja que “ser” de dentro não é simplesmente “estar”, mas pertencer àquilo.


O mais inacreditável é o vício desenfreado de seguir uma “lei” escrita num véu recosturado.


Quem quer dominar escreve, determina, impõe exclusivamente pelo medo e os demais acatam para sentirem-se parte do todo, sob a pretensão de serem obedientes a Deus e não receberem um castigo no porvir. Nesse vício até novo testamento vira velho testamento como se as problemáticas sociais fossem as mesmas e o povo não conseguisse pensar por si mesmo.
Ao fundo deste discurso o tom pode soar como rebeldia a algumas pessoas, porém tente perceber que o evangelho é de Jesus, o Cristo, não de Mateus, Marcos, Lucas, João ou de quem quer que seja.
Se houver anexos à simples obra redentora da cruz de Jesus de Nazaré tenha certeza, este não tem poder pra transformar vida, ainda que miraculosamente faça qualquer tipo de mágica que impressione a vista de seus espectadores e, como tal, deve ser rejeitado.
“É permitido curar num sábado? Sim ou não? Eles ficaram em silêncio. Jesus chamou o homem e o curou. Depois de o despedir, perguntou: “Se seu filho ou seu animal cair num poço num sábado, será que há alguém aqui que não corra para tirá-lo de lá imediatamente?”. Ninguém se arriscou a responder.” Lucas 14.3-6 – versão A mensagem
Procure pelo evangelho que está por cima da tampa da religião, que, aliás, é uma bandeira do inferno, não desprezando os que ainda não entendem o quão maravilhoso é ser livre, para enfim ser igreja, corpo de Cristo, nunca menosprezando, o credo, o rito, o templo e a tradição, mas sempre levando em conta que existe algo que deve receber prioridade máxima todos os dias em todos os momentos, superando qualquer tipo de coisa que pudermos imaginar.
Fonte: Pastor Rodrigo Baia