Estive na cidade de Caridade do Piauí, neste outono de 2014, acompanhando uma equipe de missionários que usam as artes cênicas com muita criatividade. O objetivo deles não é fundar novas igrejas, mas de apoiar e fortalecer as que já estão estabelecidas na região. Em sua primeira visita, a equipe procurou a Assembleia de Deus, e o pastor os recebeu bem. Este pastor deixara um bom emprego na capital, onde ganhava mais de R$ 10.000,00 ao mês, para viver com uma oferta de R$ 200,00. Como seus filhos queriam comer pão, teve a ideia de montar uma padaria e, vendendo pão de porta em porta, conquistava a amizade dos moradores, e mais membros para a sua igrejinha. Com este trabalho ele conseguia ganhar mais R$ 600,00. Junto com os missionários, o pastor organizou um grande evangelismo na cidade. Em seguida, foi excluído da igreja, pois apareceu usando bermuda e boné, em uma foto tirada durante o trabalho com os missionários.
A igreja contratou um novo pastor, que recebeu os missionários com bastante frieza numa segunda visita. A equipe ficou sem saber como proceder, e parou para um descanso na praça da matriz. Um grupo de jovens católicos carismáticos estava preparando uma atividade para expressar o amor de Deus às pessoas que estavam bebendo e ouvindo forró nos bares e trailers da redondeza. Como estavam sem saber o que fazer, os missionários cooperaram na campanha dos jovens católicos. A estratégia era levar uma mensagem colada ao peito, com dizeres do tipo “posso rezar por você?”, “abraço grátis”, “Jesus te ama”, etc. A campanha foi um sucesso e as duas equipes terminaram cantando louvores e agradecendo a Deus pelo seu amor.
No mês seguinte eu estava com eles, e os carismáticos aguardavam, ansiosos, a visita destes missionários. Apresentamos vários esquetes de teatro, trazendo ensinamentos cristãos em seu conteúdo. A praça estava lotada com adultos e crianças, que participaram das orações, louvores, e riam bastante com as trapalhadas dos palhaços e artistas cômicos.
Novamente os pentecostais foram procurados, e o pastor nos convidou para participar de uma vigília. Logo ao chegarmos, ele me fez a pergunta “Por que o Espírito Santo não está mais se manifestando na igreja como no passado?”. Respondi que não concordava, pois vejo o Espírito Santo atuando em várias localidades, inclusive na cidade dele, e me ofereci para conversar mais sobre o tema. Ele não tinha disposição para ouvir, e a pergunta era apenas um gancho para falar mal dos católicos. Como pode Deus agir no meio daqueles que adoram Maria e o sagrado coração de Jesus?
Não demorou muito e ele passou a criticar também a equipe de missionários visitantes, pois alguns usavam bermuda e oraram de pé. “A nossa doutrina manda orar de joelhos, e que homem deve vestir roupas de homem, e mulher de mulher”, dizia ele. Os jovens se desculparam, pois, por causa do intenso calor, não levaram calça comprida na bagagem, e também não esperavam que isso fosse ofender tanto ao pastor. Os ataques continuaram, e os visitantes tentavam mostrar que a Bíblia não trazia aquele tipo de ensinamentos. O pastor citava alguns versículos fora do contexto original, e alegava que algumas passagens, que não apoiavam seu extremismo, eram apenas para aquela época. Ficou furioso quando um dos jovens disse que a gravata e as calças que ele usava foram desenhadas por um estilista homossexual.
Por outro lado, muitos missionários mostram, além dos problemas crônicos da seca, falta de políticas governamentais na educação, saúde, e que tragam sustentabilidade, que a “pobreza espiritual” das cidades nordestinas é causada pela pequena quantidade de evangélicos “fiéis a Deus”, e a grande quantidade de católicos “idólatras”. Pedem oração para que Deus abençoe e fortaleza as igrejas evangélicas no sertão, como se isso fosse parte da solução dos problemas nordestinos.
E eu pergunto: Deus quer cooperar com o que estes evangélicos sectários estão fazendo no sertão? Eles são melhores que os católicos que lá atuam? O que é pior: ter uma imagem de Maria na parede ou imputar um jugo desnecessário sobre um povo que já sofre mais que o bastante? A igreja evangélica não tem idolatria? Acredito que os cristãos precisam acordar e prestar atenção ao que Deus está falando e fazendo em nossos dias. O sectarismo só trouxe malefícios à igreja. A falta de unidade nos impede de usufruir dos dons e capacidades que Deus deu àqueles com os quais não nos identificamos por questões doutrinárias. E muitas pessoas se perdem enquanto brigamos. É hora de olharmos por cima dos muros das instituições e percebermos que existe um rio caudaloso de Deus fluindo também no meio de pessoas que fazem coisas que não concordamos, mas que Deus não está dando a mínima pra isso. Como disse o sábio Salomão, “Mas, de fato, habitaria Deus na Terra? Se os céus e até o céu dos céus não te podem conter, quanto menos esta casa que eu edifiquei”
( Texto de Ezequiel Netto)